Rotulagem de alimentos transgênicos

A Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005) estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente. Esta lei define que os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos.  

A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), como entidade do governo brasileiro responsável pela regulação e fiscalização de produtos e serviços que envolvem saúde pública tem um papel central na avaliação da segurança de alimentos transgênicos.  

Alimentos transgênicos são aqueles que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados. Esses alimentos têm seu material genético alterado de maneira a introduzir características de outro organismo, com o objetivo de melhorar sua resistência a pragas, aumentar a produtividade ou melhorar propriedades nutricionais, por exemplo. Esses alimentos podem ser geneticamente modificados para apresentar resistência a herbicidas, resistência a insetos ou maior durabilidade.

O papel da ANVISA

  1. Avaliação de Segurança: A ANVISA realiza a avaliação da segurança dos alimentos transgênicos, com base em estudos científicos que avaliam os potenciais riscos à saúde humana. Para que um alimento geneticamente modificado seja autorizado para consumo no Brasil, ele precisa passar por uma série de estudos que demonstram que ele é seguro para consumo. Isso inclui testes de toxicidade, alergenicidade e outros fatores que possam representar riscos.
     
  2. Regulamentação e Normatização: A ANVISA estabelece normas e diretrizes para garantir que os alimentos transgênicos que chegam ao mercado sejam seguros. Na Resolução da Diretoria Colegiada n. 839/2023 (RDC 839/2023), estão determinados os requisitos e informações necessárias que um novo ingrediente ou novo alimento que contenha ou seja produzido a partir de organismos geneticamente modificados deve apresentar à Anvisa. Ela também trabalha em conjunto com outros órgãos, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que é responsável pela aprovação das características agronômicas dos transgênicos, e o IBAMA, que avalia os impactos ambientais.
     
  3. Monitoramento e Fiscalização: Além de estabelecer regulamentos, a ANVISA também realiza a fiscalização de alimentos transgênicos, monitorando o mercado para garantir que os produtos estejam em conformidade com as normas de segurança alimentar e que estejam devidamente identificados para a informação ao consumidor. Ela pode realizar testes e investigações em produtos para verificar se estão em conformidade com as normas estabelecidas.

Segurança e controvérsias

Embora a ANVISA tenha uma abordagem científica e cautelosa em relação à segurança dos alimentos transgênicos, o tema ainda gera controvérsias, especialmente entre grupos que questionam os impactos ambientais e a saúde a longo prazo. A Agência trabalha com base em evidências científicas e recomendações de comissões de especialistas para garantir que os alimentos sejam seguros para o consumo. No entanto, alguns ambientalistas e consumidores defendem maior cautela na liberação de transgênicos e questionam a possibilidade de efeitos adversos desconhecidos.

Rotulagem

A rotulagem de alimentos transgênicos deve seguir o disposto no Decreto 4.680/2003 (Regulamenta o direito à informação quanto aos alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados). Neste Decreto, há as seguintes normas:

  • Na comercialização de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, com presença acima do limite de um por cento do produto, o consumidor deverá ser informado da natureza transgênica desse produto.
    • Tanto nos produtos embalados como nos vendidos a granel ou in natura, o rótulo da embalagem ou do recipiente em que estão contidos deverá constar, em destaque, no painel principal e em conjunto com o símbolo a ser definido mediante ato do Ministério da Justiça, uma das seguintes expressões, dependendo do caso: “(nome do produto) transgênico”, “contém (nome do ingrediente ou ingredientes) transgênico(s)” ou “produto produzido a partir de (nome do produto) transgênico”.
    • O consumidor deverá ser informado sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes.
    • A informação determinada deverá constar do documento fiscal, de modo que essa informação acompanhe o produto ou ingrediente em todas as etapas da cadeia produtiva.
    • O percentual referido poderá ser reduzido por decisão da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio.
  • Os alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos deverão trazer no painel principal a seguinte expressão: “(nome do animal) alimentado com ração contendo ingrediente transgênico” ou “(nome do ingrediente) produzido a partir de animal alimentado com ração contendo ingrediente transgênico”.
  • Aos alimentos e ingredientes alimentares que não contenham nem sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados será facultada a rotulagem “(nome do produto ou ingrediente) livre de transgênicos”, desde que tenham similares transgênicos no mercado brasileiro.

A Portaria n. 2.658 de 22 de dezembro de 2003 do Ministério da Justiça define o símbolo a ser veiculado nos rótulos, conforme abaixo:

Competência no âmbito jurídico

Os tribunais, incluindo o STJ (Superior Tribunal de Justiça), embora não tenham uma função regulatória específica sobre alimentos transgênicos, podem ser chamados a decidir sobre questões jurídicas relacionadas a esse tema. Seu papel em relação a alimentos transgênicos se concentra na interpretação e aplicação das leis e regulamentos existentes, especialmente em situações de conflitos envolvendo consumidores, produtores e órgãos reguladores como a ANVISA e o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) que não forem resolvidas em instâncias anteriores.

Algumas das questões jurídicas que podem ser analisadas pelos tribunais, relacionadas a alimentos transgênicos, incluem: 

  1. Responsabilidade por danos à saúde: Se um consumidor ou grupo de consumidores alegar que sofreu danos à saúde devido ao consumo de alimentos transgênicos (como reações alérgicas ou problemas de saúde desconhecidos), os tribunais podem ser chamados a decidir sobre a responsabilidade de empresas e órgãos reguladores. Avalia-se se houve negligência na avaliação da segurança desses alimentos ou se houve falhas nos processos de rotulagem, fiscalização ou comercialização. 
     
  2. Rotulagem e informação ao consumidor: Os tribunais também podem ser chamados a julgar casos relacionados à rotulagem de alimentos transgênicos. Por exemplo, se um produto não tiver a rotulagem adequada, o tribunal pode decidir se isso configura uma violação dos direitos do consumidor, com base nas normas estabelecidas pela ANVISA e outras autoridades.  
     
  3. Ações judiciais sobre a liberação de transgênicos:  Se uma empresa ou grupo de consumidores questionar a liberação de um determinado alimento transgênico no mercado, os tribunais podem ser chamados a decidir sobre a legalidade de sua aprovação, especialmente se houver alegações de que as avaliações científicas foram inadequadas ou que as leis foram violadas. 
     
  4. Proteção ao meio ambiente: Em alguns casos, os tribunais podem ser convocados a se pronunciar sobre questões ambientais relacionadas aos alimentos transgênicos, como a contaminação genética de plantações convencionais ou os impactos ambientais de organismos geneticamente modificados. Isso pode envolver disputas entre empresas que produzem transgênicos, agricultores que cultivam produtos convencionais e órgãos ambientais. 

Em alguns casos, o STJ pode ser chamado a interpretar normas que envolvem alimentos transgênicos, como o Código de Defesa do Consumidor, a Lei de Biossegurança ou as normas da ANVISA sobre a rotulagem e a segurança alimentar. 

Exemplos de temas abordados no âmbito jurídico incluem:  

  • O direito à informação sobre alimentos transgênicos: Se os consumidores têm o direito de saber com clareza sobre a presença de organismos geneticamente modificados qualquer que seja a quantidade presente no alimento e se as empresas estão cumprindo com a legislação vigente.  
  • A responsabilidade de empresas em caso de reações adversas relacionadas ao consumo de alimentos transgênicos. 
  • O direito de bloquear a comercialização de um produto considerado inadequado ou inseguro com base em alegações de risco à saúde pública ou ao meio ambiente.

Controvérsia acerca do limite de 1% para rotulagem de alimentos transgênicos 

O Ministério Público Federal e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) ajuizaram ação civil pública contra a União para questionar a legalidade do Decreto 3.871/2001, que disciplinava a rotulagem dos alimentos que continham produtos transgênicos em até 4% da sua composição. No curso do processo, o decreto original foi substituído pelo Decreto 4.680/2003, o qual reduziu de 4% para 1% o limite que torna obrigatória a informação ao consumidor sobre a presença de OGMs. 

A ação foi julgada procedente em primeira instância, decisão mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). O tribunal entendeu que o consumidor tem direito à informação, que deve ser incluída nos rótulos em todos os casos, independentemente de quantidades.  

A União e a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) interpuseram recursos especiais no STJ, sustentando que o decreto obedece às disposições legais sobre os limites de tolerância e que quantidades abaixo de 1% de OGM dispensam a informação.  

Em outubro de 2024 o STJ decidiu, por unanimidade, pela legalidade do Decreto 4.680/2003, que estabelece o limite de 1% para que os fabricantes de produtos alimentícios comercializados no Brasil sejam obrigados a informar, nos rótulos, a presença de organismos geneticamente modificados (OGMs). O relator dos recursos, ministro Francisco Falcão, levou em consideração que: 

  • As preocupações com o uso dos transgênicos na indústria alimentícia eram compreensíveis há mais de 20 anos, mas “hoje já se sabe que os alimentos 100% transgênicos não representam risco à saúde, muito menos em proporções ínfimas, como abaixo de 1%”. 
  • A decisão do tribunal de origem ultrapassou os limites da razoabilidade e da proporcionalidade, contrariando o ordenamento jurídico vigente.   
  • O limite de 1% para rotulagem é suficiente para conciliar os interesses de desenvolvimento econômico e tecnológico com a segurança do consumidor, sem comprometer a saúde pública. 
  • A medida afrontaria a razoabilidade e a proporcionalidade, e impediria a convivência harmoniosa dos interesses dos participantes do mercado. 

 

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