À medida que o mundo enfrenta os desafios crescentes da mudança
climática, da escassez de recursos naturais e da crescente desigualdade social, a
maneira como produzimos e consumimos alimentos torna-se cada vez mais
relevante. Atualmente, vemos um direcionamento significativo de recursos para a
produção de proteínas de origem animal, uma prática que, infelizmente, está
associada a uma série de impactos negativos.
O aumento da população global só intensifica essa tendência, o que, por sua
vez, potencializa os impactos ambientais adversos da agricultura animal. Emissões
de gases do efeito estufa, desmatamento para expansão de pastagens e cultivo de
grãos para ração animal, além do grande consumo de água, são apenas alguns dos
problemas associados a essa indústria. Além disso, não podemos ignorar o maltrato
aos animais, que frequentemente são submetidos a condições insalubres devido à
superlotação e práticas de criação intensiva.
Diante desse cenário preocupante, a busca por alternativas alimentares
sustentáveis torna-se extremamente importante. As proteínas vegetais emergem
como uma solução promissora para esse problema, pois além de possuírem uma
maior eficiência produtiva, essas proteínas geram menores impactos ambientais,
contribuindo para a preservação dos recursos naturais e diminuição das mudanças
climáticas.
Com o aumento das populações vegetarianas, veganas e flexitarianas em
todo o mundo, a produção de alimentos plant-based avança, gerando uma demanda
crescente pela criação de novos produtos e, nesse conjunto de descobertas de
proteínas e ingredientes alternativos, o potencial da biodiversidade brasileira na
elaboração de novos produtos plant-based deve ser valorizado, já que entre 15 e
20% da biodiversidade mundial está presente no Brasil.
De acordo com o relatório “Oportunidades e Desafios na Produção de
Produtos Feitos de Plantas Análogos aos Produtos Animais”, elaborado pelo GFI em
2021, apesar do imenso potencial da biodiversidade brasileira, ainda há desafios
significativos. Segundo o relatório, a principal demanda, apontada por 84% das
empresas brasileiras do setor, é o desenvolvimento de matérias-primas e
ingredientes nacionais. Atualmente, os produtos análogos à carne ainda dependem,
em grande parte, de importações, o que eleva os custos de produção e,
consequentemente, impacta o preço final do produto nas prateleiras. Essa situação
limita o acesso de muitos brasileiros a esse tipo de mercadoria.
Ingredientes como a ervilha, o grão-de-bico e a lentilha são cobiçados pela
indústria de proteínas alternativas, porém são culturas inexpressivas no Brasil.
“Importamos atualmente cerca de 70% da ervilha, 98% do grão-de-bico e quase
100% da lentilha. E não é porque não têm potencial de consumo, mas porque são
caros. Se produzirmos aqui, é possível reduzir o valor e triplicar o consumo muito
rapidamente”, destaca Marcelo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e
Pulses (Ibrafe), em entrevista para Globo Rural em março de 2021. Esta realidade
ressalta a urgência em desenvolver fontes locais de proteínas vegetais, não apenas
para reduzir os custos de produção, mas também para aumentar a acessibilidade
desses alimentos à população brasileira.
Numa perspectiva mais ampla, é evidente que a riqueza da flora nativa
brasileira não se reflete no prato do brasileiro. Como resultado, os consumidores
deixam de aproveitar os diversos benefícios nutricionais que essa diversidade pode
oferecer. De acordo com o GFI Brasil, investir em esforços de pesquisa para a
descoberta de novos ingredientes pode não apenas contribuir para a preservação
dos biomas brasileiros, mas também gerar riqueza para as comunidades produtoras
e extrativistas, além de enriquecer nutricionalmente a dieta do povo brasileiro.
Neste contexto, um dos ingredientes que tem sido objeto de pesquisa é o
pequi, uma fruta nativa do cerrado brasileiro com distribuição nos estados da Bahia,
Ceará, Pará, Maranhão, Piauí, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas
Gerais e São Paulo, sendo conhecida por alguns como símbolo do cerrado. A
amêndoa do pequi é rica em proteínas, porém muitas vezes acaba sendo
descartada no meio ambiente devido à complexidade de se trabalhar com o caroço
dessa fruta, que apresenta um endocarpo com uma grande quantidade de espinhos.
Com isso, é relevante observar que, devido a amêndoa apresentar altos níveis
proteicos e ser subutilizada em comparação com a polpa do fruto, o uso desse
componente possibilita um grande campo de oportunidades para sua utilização
como matéria-prima na elaboração de alimentos à base de proteínas vegetais.
Explorando o potencial da amêndoa do pequi, o Laboratório de Engenharia e
Química de Alimentos (LEQuA) da Universidade Estadual Paulista (UNESP) do
campus de Assis, tem dedicado esforços significativos para investigar suas
propriedades e possíveis aplicações na indústria alimentícia. Normalmente
subutilizada, essa amêndoa é primariamente empregada na extração de óleo. No
entanto, após o processo de extração, é gerada uma torta desengordurada rica em
proteínas que frequentemente é descartada.
Com base nessa premissa, o objetivo central foi otimizar a extração das
proteínas da torta desengordurada, explorando duas abordagens distintas: o método
convencional de extração alcalina e a extração assistida por ultrassom. No método
convencional, foi empregado técnicas tradicionais de extração alcalina, enquanto na
abordagem assistida por ultrassom, foi incorporado os princípios da extração
alcalina, porém utilizando ultrassom para aprimorar o rendimento do processo.
Os resultados da pesquisa revelaram informações significativas. Inicialmente,
a análise centesimal da farinha desengordurada da amêndoa do pequi mostrou o
real potencial dessa matéria prima, que apresentou uma concentração de 46,4% de
proteínas, 38,9% de carboidratos, 8,5% de umidade, 3,5% de cinzas e 2,2% de
lipídios.
A primeira etapa da extração alcalina convencional consiste na mistura da
matéria-prima em meio alcalino. Para determinar a faixa de pH mais adequada,
foram testados diferentes valores (8, 8,5, 9 e 9,5). Após o preparo de concentrados
proteicos utilizando cada faixa de pH, constatou-se que o pH 9,5 foi o mais eficiente,
proporcionando um rendimento de 40,1% do concentrado proteico, com uma
concentração de proteínas de 78,8%.
Na otimização do pH ácido, importante para a precipitação isoelétrica das
proteínas, os testes variaram entre pH 3 e pH 6. Observou-se que a faixa de pH
entre 4,5 e 6 apresentou resultados superiores e estatisticamente iguais. O pH 4,8
foi selecionado para dar continuidade à pesquisa, resultando em um concentrado
proteico com um rendimento de 40,1% e concentração proteica de 78,8%. Esses
resultados foram essenciais para determinar os melhores parâmetros para a
extração alcalina.
No que diz respeito à extração assistida por ultrassom, o processo envolveu
a otimização da potência do ultrassom, da razão amostra:solvente e do tempo de
extração. O delineamento experimental resultou na condição otimizada com uma
potência de 320 W, razão amostra:solvente de 1:15,1 (m/v) e tempo de 15 minutos.
Sob essas condições, a extração assistida por ultrassom apresentou um rendimento
de 47,25% e uma concentração de proteínas de 82,50% no concentrado obtido.
Com esses resultados, concluiu-se que a amêndoa do pequi apresenta um
potencial significativo como fonte de proteínas vegetais. A extração convencional
demonstrou a obtenção de um produto final com alto teor proteico e um rendimento
considerável. Os experimentos com ultrassom revelaram um aumento notável no
rendimento da extração, passando de 40,1% para 47,25%, juntamente com um
aumento na concentração de proteínas do produto final, de 78,8% para 82,5%.
Esses avanços sugerem que o uso do ultrassom pode ser uma ferramenta valiosa
não apenas para a extração de proteínas de diversas fontes vegetais, mas também
para uma variedade de outras aplicações na indústria. O trabalho realizado pelo
LEQuA da UNESP representa, portanto, um progresso significativo na pesquisa
nessa área e é fundamental na busca por possíveis novos ingredientes brasileiros
para a indústria de proteínas vegetais.
Resultados preliminares da próxima etapa do projeto indicam que as
propriedades tecnológicas das proteínas da amêndoa do pequi apresentaram
resultados razoáveis. Observou-se uma baixa solubilidade, uma baixa capacidade
de formação de gel e uma boa capacidade de formação de espuma. Diante disso, a
próxima fase da pesquisa se concentrará na análise de variadas propriedades
funcionais dessas proteínas, bem como na busca por métodos de aprimoramento
dessas características. Pretende-se investigar o potencial do uso do ultrassom,
juntamente com o emprego de enzimas para modificar a estrutura e as propriedades
das proteínas, visando melhorar seu desempenho tecnológico e funcional. Esses
avanços são essenciais para a viabilidade e aplicabilidade das proteínas da
amêndoa do pequi na indústria alimentícia, contribuindo assim para a ampliação das
possibilidades de seu aproveitamento comercial.
Referências:
BECKER, Leandro. Biodiversidade e agro forte são trunfos do Brasil para ser líder em
ingredientes plant-based. Globo Rural. 2021. https://globorural.globo.com/Noticias/
Agricultura/noticia/2021/03/biodiversidade-e-agro-forte-sao-trunfos-do-brasil-para-ser-lider-e
m-ingredientes-plant-based.html
Ambiel, C., de Matos, K., Casselli, R., 2021. Oportunidades e Desafios na Produção de
Produtos Feitos de Plantas Análogos aos Produtos Animais. The Good Food Institute Brasil.
Nome dos envolvidos na pesquisa:
Aluno – Felipe Pires Ribeiro (Formado em Engenharia Biotecnológica e Mestrando
em Biociências);
Aluno – Me. Rafael Silva Naito (Formado em Engenharia Biotecnológica, Mestre
em Biociências e Doutorando em Biociências);
Orientadora – Profª. Drª. Cassia Roberta Malacrida Mayer (Coordenadora do
Laboratório de Engenharia e Química de Alimentos da UNESP de Assis).